em todas as espécies, os menores suportam-no
com seus braços poucos
e seus humilhados ombros
como algumas flores breves
como as que não duram mais que um dia
e nesse tempo urgentemente sonham
assim os menores sonham no mundo, e
avançam com um lírio amarelo perfurando-lhes
o pensamento
e se erguem contra a noite longa
dentro de sua vida que é um sopro
quando por cinco vezes a terra cedeu a
pesadelos de fogo e de água
(naquela que tem sido a história das grandes extinções)
foram os frágeis que se alastraram tão quietos ─
e porque não tinham nome nem rosto
esconderam-se sem que os percebessem
foram para o escuro fundo, em
mares inconsoláveis
foram por entre cidades de ossos, para fazer morada nas
carcaças dos que não suportaram
foram morar na última fenda
do último tronco ─
como se tudo insistisse num último coração ─
dentro da sequoia
são os vencidos que têm arrastado o mundo
são lobas que há dias emagrecem, regurgitando suavemente
em bocas de ninhadas cegas
são pássaros de asa quebrada, que
estremecem nas mãos
são algum pulso
e alguma lua
são homens e mulheres sem lugar, recurvados sobre
si como pendendo
a uma pergunta sem pronúncia
os pequenos é que rompem ao meio
o medo
e suspendem a vida num claríssimo fio de seda em que
a morte não toca
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mar becker
em: notas do caderno de caminho (em trabalho, devo mexer neste material), 2024 .